sábado, 17 de dezembro de 2011

É comum a própria dor doer muito mais do que todas as outras. Talvez porque esteja dentro, talvez pela possibilidade de tocá-la tantas vezes, inclusive quando não-quiser. Ou querer apalpar a dor e remexê-la e ferver em seu caldo pardo hiante.

Sei que tudo isto acontece por não saber-me.

Sinto muito, hoje quero fugir do que fui quando não vivia eu mesma. Não que não me lembre da felicidade, sou feliz. Porém também sou triste, sem fim.
Não pretendo olhar mais em teus olhos. Eles restaram longínquos, inermes, sem vida. Eram de um verde oliva intenso, oblíquos, porém grandes ao ponto de manterem-se soberanos. Se lembrares dos meus olhos como amêndoas opacas que eram, a mim já basta; posteriormente observaria a enchente de aguas turvas, sem cor, que se tornaram hoje.
Ainda agora lancinantes, as ultimas palavras ressoam engessadas em cólera e distância. Meu nome, hoje, é Silêncio.

Silêncio foi alguém que hoje é sem ser.

Sobre o poema "Presságio", de Fernando Pessoa - A alguém.

É como se me despisse, esta poesia. Tomara que isto lhe conte o que não se ousa dizer. Quem sente muito, cala e querer dizer é despojar-se, restando só de si mesmo. Mas que lhe seja dito e entregue tudo, neste silêncio inteiro. Se pudesse ser ouviro, o olhar...
Pois que tounou-se uma Atlântida, quando imersa em amor. Ou talvez já o fosse muito tempo antes da percepção dos pobres olhos. Pobres olhos (que apenas vêem). Todo o seu infinito além, abstrato, é contradito com a simples rudeza do tato; embora seu campo seja vastíssimo, é reservado às mãos toda a percuciência íntima, oculta em tanta distancia percorrida mentalmente, a começar pelos olhos. Talvez, como é sabido, o final dos caminhos intocados seja o abismo.
Quantas coisas guardam os olhos esquivos.


O sentido ressentido não dito multiplicado por dentro nos causa o instinto premturo autodestrutivo, assemelhando-nos à natureza. O que direfe é que nós a compomos e não o contrário; nós sofremos os seus instintos que são retaliações extremas, endereçadas a tipicos (e parvos) humanos. Nós gotejamos o caos que, posteriormente, será imputado à ela, nós, os desabitados.



Os nossos momentos devem ser medidos não por sua multiplicidade, mas pela expansão que causa nos espíritos encontrados, fazendo-se prolongar pela vida a primeira derrelição a fim de adentrar o outro corpo, apenas reafirmando-se, quando materialmente juntos, que a nossa comunhão do amor é perpétua.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

.O aborto

Os abortos escorrem no revés de suas mães; vítimas caladas e anêmicas no restolho de vida inexistente.

Ânsias infantis, depois ânsias jovens;

E em pouco tempo a senilidade. O brotinho avança pelo tempo e, logo, olha-se com assombro, por esperar e esperar sobre o cume de uma montanha de onde o caos foi gotejado sobre sua cabecinha lisa e a água negra escorria, banhando-lhe o corpo, o vão dos dedos, empoçando olhinhos, até que despertasse e de súbito disparou pelas pernas no sentido contrário, não haverá direção, não haverá meios de guiar-se, pois seguir adiante seria atirar-se no além finito, sabido do cerne estatelado e ressuscitado de dor e prosseguir.

Atirou-se, só que para trás, dando-se com o que antes havia propelido adiante ao interminável horizonte vertical; a gravidade não o perceberia inerte, em sua imensa atuação; são vidas por demais caídas entre a racionalidade e o bálsamo emocional. Permaneceu debatendo-se no meio fio da vida que avançava faminta e consumindo.

A grande boca aberta o retia na enormidade imperscrutável do limbo labial, colérico, pequenino.

Tateou o corpo e verificou os grandes testículos, o pênis, os pelos: o homem reconheceu-se a si como o pai tardio encontrando o filho – esperado, desconhecido – quem é este homem vertendo? - a criança para si, do homem velho.



E a pergunta lancinante trucidava-lhe a consciência volátil e ao percebe-lo, tentava apanhá-lo e apertá-lo contra o peito, acariciá-lo temdodo-o e mesmo que o amor lhe ferisse, eram seus pedaços ainda ali, a servi-lo e que talvez se os desse calor, aquilo tudo se tornasse uma vida mais inteira, agregando-o a si mesmo e à sua existência fracionária se moldasse com o breve escopo de ao menos manter-se inteiro; a forma ele jamais conhecera.



E um dia ele se esqueceu de que correra, correra muito e que não chegara além de onde esteve desde que culminou o pico da morte inaudível – na montanha – e tudo fora apenas o excremento da sua cabeça fraca, do amor pelo avesso, da inocência brutal e que logo após era conformada, flêurica, combatida com picos repletos da vagueza caracterizadora da inercia ludibriante, dos passos que a criança trocou fora do chão; amorfa.

Penny arcade

Penny arcade traz lembranças de lugar apinhado, da luz multicolorida e um claro feixe sobre nos, ensopados, adoçando nossas peles com o mel que o poro quente expele e o contentamento imantando a vacuidade que há entre nós e somente isto.

Batemos os sapatos, as memorias, as vontades, tudo ao lado de fora daquela sala; e o som traz o teu cotidiano metálico para aqui, o mais íntimo do que se é, único e inteiramente ali.



Nós.



Nada pode separar a identidade dos nossos corpos.

Dito, o amor

É triste sem você.
O conforto mora onde está teu pensamento, e
Ver-te é iluminar ainda mais a face clara que o
amor guarda e leva teu nome.
Cada silêncio longo talvez seja o bramir do
coração,
Que por vir morar em mim o teu,
Que por tornar-te a ti o meu,
São a mesma coisa;
O mesmo pulso, o mesmo gesto rítmico
de vida.
E divisando-te a pele ora rubra,
O vasto branco detentor do sagrado
sangue que lhe recobre as faces
Tornando-te, de repente, a paixão e a paz no meu
corpo;
O céuinferno sedante
Que se instala fora da tua presença
mediadora do haver.

E significamos a razão pura.

Pois que somos a composição,
Somos a permuta devota de um sentimento íntimo.
E as horas prosseguem vagas
Sob a tua vigília vastíssima
De olhos prolongados por sobre
as ondas de ausência que me causa.

Guarda o meu prosseguir,
Apascentando-me.

sexta-feira, 29 de abril de 2011

1

A simplicidade eu reaprendo cada vez que essas ternuras de poucas palavras nascem no fundo do peito. Fonte unica do eu.

sábado, 12 de março de 2011

A doença

A doença está esmurrando as comportas do cérebro. Não que esta seja a imagem sã do corpo humano, talvez apenas eufemismo cabível para o grande gerador do colapso. Mas não sozinho.

Relutantes, caem pequeninas as gotas da farmácia cujo rótulo, em meu nome, garante calma e disciplina. Florais, corpo, combate. Pode ser que eles o suportem, sim, mas somente em forma de grossos cipós amarrando tronco, braços e pernas, sem essência alguma. A sutileza da erva só comporta o humano dessa maneira: material; visível; bronca.

Pois sobre a doença será isto. ‘Amental’ seria a correta palavra? A alguém que vive sem si, alheio ao corpo, metafísico.

O espírito precisa habitar o corpo e o corpo habitar o mundo. Mas a alma, indomável, rompe a pele, atira-se para fora, negando-a, proclamando independência à morte quando de repente os pés inexistentes estancam: o ser de si mesmo apontou à sua frente, sequioso pela vida humana. Vive-me noutro, vive-me, eu suplico.

Tempo virgem

A pergunta foi lançada como coisa qualquer.


O que sou eu?


Que matéria, que contexto, em que tempo: existo?


O tempo: proliferada metástase da felicidade extrema, ida, não tida, paralela ao seu ponto limite, nunca a atingi-lo; como a gota do mel íntimo correndo pelo abismo: cair, cair, cair sem fim; isto ou a inércia abjeta do ato castrado: quase, mas não. Proliferada metástase gotejando o azedo do ontem, a água e o sal de amanhã ou um misto incrível de restos que se movem vagarosos em direção ao gargalo receptor do presente: um memorial.


Isto é o tempo.


Estabilidade seca dos homens cansados, chão partido, abismo findo.


A perda: renova o terreno queimado, incinerando-o interminável, e ainda que imersão total venha, a vaga presença líquida não move o denso, nem apaga a luz ausente do fogo anímico; o gosto percorrido de mel terroso. Se perdida estivesse a ultima fagulha, isto significaria inexistência absoluta. O não tempo fincado.


Então existo completamente.


A existência: verificando o tempo, amiúde, impossível aferi-lo com o pensamento desabitado. Aquela que sou sumiu dos mecanismos, sorrateira como outrora; e o tempo, o ‘transportador de’ – EU – manda-me para longe ao meu lado. Inalcançável. Estou sem olhos para ver, pele, pelos a doença alastrou-se por sobre cabelos e unhas, os mortos no corpo vivo a ensinar caminhos ainda sobreviventes ao toque.. Enquanto escorre o lapso viscoso, estou viva, inapelavelmente viva a encontrar-me.


E sentir é debilitar-se.


A debilidade: torna dificílimo enxergar com tantos vultos assombrando-me o equilíbrio no vazio. A corda rija no vento bambo, a debilidade criando; incompreensível.


Tentar apalpar tudo se corre o risco de sair sem os dedos. Não sentir é a morte. Sentir é não viver; ou talvez algo que plaine por sobre ser-se sem ser.


Quedei-me paralítica por entre os espaços vagos nas veias de luz; o abandono expele a festa no céu do homem e o sentimento não alcança. O corpo não chora.


Desencadeando-se a vida rotineira, a cada atenção exterior afastam-se o tempo e os restos. Retroalimentação vagarosa do ponteiro gordo demais.


Atraso obscuro. Sem fim opaco, tato envelhecido, pele virgem.

A busca

Enquanto você disser essas coisas que me dão força, eu continuarei sangrando, longínqua.

Eu continuarei alimentando a fala por dentro, gerando a vida ao revés de todos os dias sem o teu rosto grande. Antevendo o que ninguém sabe como será, o além que eu guardo.

A fonte é inesgotável. O impulso dos passos sem espírito prolonga-se pelo corpo a disfarçar a mecanicidade imprimida no meu cotidiano.

Inexplicável é viver em ebulição. E vivo, e não sei como eu vivo e isso arde nos nervos, esgotando-os e ao mesmo tempo torcendo-os, pois é isto que dá vida ao meu corpo, este segredo, tormentosamente vivo, extravasando: o que eu sinto. Este é o álibi escondido atrás dos olhos, alavanca inquebrável do meu prosseguir alheio, autônomo, pé ante pé, palpitando descalço.

A passos firmes marcho em tua direção com as estantes repletas de saudade e cólera. O andar trôpego, o corpo consumindo; o íntimo intocável, apenas a crescer e multiplicar-se sem fim, estendendo-se pelas ruas, alastrando-se pelas estradas, até encontrar-te a ti: e isso tudo jorrará da boca aberta, o líquido invencível, percuciente untando-te de mim. Nada mais será preciso.

O vácuo

Eu morrerei sem que isto habite (...). Ou para que acredite em sua necessidade de habitar o outro; em si mesmo.

O amor sem face, sem membros, apenas imagem. Não há explicação plausível para ele: seu fim será em um sanatório, abrigado num corpo que se dilatou na existência, debruçou-se por sobre o chão, esperou.

Este pequeno corpo, incrivelmente feminino, bárbaro em seu tempo; esse corpo estilhaçado, o espírito inexistente, o peito largo que o desuso imobilizou; vontade trucidante de toda existência presente. Todas as almas, em si, abrigando o glorioso futuro, a fortuna no porvir que investimos a cada fração de segundo, para o nada purificador de uma alta idade razoável.

Pois me atrevo a dizer que a razão é impossível. Se somente dela fosse feito um único homem, bastaria para que vivesse menos que tempo nenhum, menos que a presença mediadora de todo impulso humano, no outro sólido, no outro quente, sereno, inerte.

O contato é a medida do arrebatamento absoluto, tremor físico, demência. Mas este é o início.

E não seria possível sorver o outro além mundo?

Além mundo. Dos que vivem lá e cá, o que por direito lhes pertence, o inalienável, o próprio íntimo: nada basta para tampar a grande composição de retalhos que torna impossível o vivenciar-se. A imensidão de abismos perfurando o mínimo egoísmo, a libertação, a cumplicidade alheia, o cuidado. Conceitos tão primitivos quanto o desabrochar de um corpo pelo outro, isto não basta. Isto é carne.

A carne é envenenada, conceito bíblico inapelável. Tomada de veneno balsâmico, quando dosada é a composição da existência. Se o bicho beber o seu veneno o coma o levará, a fome o levará, a sede... para onde? Para longe dentro da terra, o grande ventre que a natureza esgarça para os seus filhos avulsos.

Amar-se, coisa incompreensível. Pensamento rancoroso de si quando o máximo adiante é menos que um passo. Transbordante em sua gota vital ameaçando a populosa e massificada coisa que tornamo-nos os homens... tudo isto que fomos capazes de nos tornar, repletos de nós; o grandioso contentamento nos causa medo, se impõe com dentes e não vemos os braços que estavam abertos – afinal é um corpo, um corpo grande, pastoso, de fora nascido de dentro, maculado.

Balbucio explicações do interpretável, que precisa ser jogado para fora, a linguagem não permite, o limo prolifera, o alimento apodrece por dentro, tumoroso, e este não sai, o outro se condensa no outro: o fim. Dolorido, depressa, invisível. É assim mesmo que o amor embrulhado para depois sufoca e deixa de ser.

Arranco-me de dentro de mim, pela goela estreita, quase não saio. Olho-me e sinto pavor do que vejo imagem fetal, envelhecida, dormente. Há muita pele sem sentido. Há todo o sentido, sem sentir. Há a agonia fragilizante, o pensamento queimando, as ações economizadas a força.

Há nada.