sábado, 12 de março de 2011

Tempo virgem

A pergunta foi lançada como coisa qualquer.


O que sou eu?


Que matéria, que contexto, em que tempo: existo?


O tempo: proliferada metástase da felicidade extrema, ida, não tida, paralela ao seu ponto limite, nunca a atingi-lo; como a gota do mel íntimo correndo pelo abismo: cair, cair, cair sem fim; isto ou a inércia abjeta do ato castrado: quase, mas não. Proliferada metástase gotejando o azedo do ontem, a água e o sal de amanhã ou um misto incrível de restos que se movem vagarosos em direção ao gargalo receptor do presente: um memorial.


Isto é o tempo.


Estabilidade seca dos homens cansados, chão partido, abismo findo.


A perda: renova o terreno queimado, incinerando-o interminável, e ainda que imersão total venha, a vaga presença líquida não move o denso, nem apaga a luz ausente do fogo anímico; o gosto percorrido de mel terroso. Se perdida estivesse a ultima fagulha, isto significaria inexistência absoluta. O não tempo fincado.


Então existo completamente.


A existência: verificando o tempo, amiúde, impossível aferi-lo com o pensamento desabitado. Aquela que sou sumiu dos mecanismos, sorrateira como outrora; e o tempo, o ‘transportador de’ – EU – manda-me para longe ao meu lado. Inalcançável. Estou sem olhos para ver, pele, pelos a doença alastrou-se por sobre cabelos e unhas, os mortos no corpo vivo a ensinar caminhos ainda sobreviventes ao toque.. Enquanto escorre o lapso viscoso, estou viva, inapelavelmente viva a encontrar-me.


E sentir é debilitar-se.


A debilidade: torna dificílimo enxergar com tantos vultos assombrando-me o equilíbrio no vazio. A corda rija no vento bambo, a debilidade criando; incompreensível.


Tentar apalpar tudo se corre o risco de sair sem os dedos. Não sentir é a morte. Sentir é não viver; ou talvez algo que plaine por sobre ser-se sem ser.


Quedei-me paralítica por entre os espaços vagos nas veias de luz; o abandono expele a festa no céu do homem e o sentimento não alcança. O corpo não chora.


Desencadeando-se a vida rotineira, a cada atenção exterior afastam-se o tempo e os restos. Retroalimentação vagarosa do ponteiro gordo demais.


Atraso obscuro. Sem fim opaco, tato envelhecido, pele virgem.

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