segunda-feira, 3 de agosto de 2009

as janelas

Um buraco, senhor, uma fresta, ponto, qualquer coisa.
Permita-me ver, ainda tenho olhos.
A terra, o lodo, a escuridão, recobrindo meu corpo (...) Mas eu imploro, me deixem os olhos. Que o tempo endureça que os vermes comam, que minha alma se perca, mas, ainda assim, os olhos.

Como janelas de uma casa, grande ou pequena, habitada ou solitária, com andares, um cômodo (...)
Sempre haverá o fio, o tenro fio, ainda que em outra dimensão, profundidade ou universo, a janela, sim, unindo o meu, o teu, o dele, o inverno a pobreza, a fome.
A janela também a tudo vê. Como imagina todos os olhos, todos os parapeitos, todas as súplicas e rugas na testa; ela está ali. Unindo-nos.

Se você grita, eu te ouço... talvez. Mas te vejo. Tua boca aberta, teu horror, olhos aflitos e inflamados.Não toque meus olhos. Se derrubares meu corpo, se matares minhas convicções ou família, minhas idéias ou cúmplices, meu amor ou peito pulsante, leve tudo, deixe somente o espaço que ocupei ou nem isso, qualquer coisa, até as lembranças, mas me deixe os olhos, as mãos do espírito ainda tateando tudo o que há luz e resignado-se na sombra, já que é eterno e imutável; só fui sou e serei meus olhos.

Pode ir dizendo que limitei demais as coisas, o que será das pernas ou sentidos, ou cheiro, pele, sexo e som.Se me conheceu, onde afundou-se ao jurar-me? Onde se fixou ao repreender-me? O que dilacerou tua noite, quando foste dormir amargo sem compreender o porquê daquilo? O que te perseguiu em cada existência tua, quando esta se deu conta de que a minha havia partido? Par-ti-do?

Foram meus olhos. Olhos alagadiços.

As janelas da casa que edifiquei com o que de melhor eu possuía, ainda que não fosse desprovida de falha e cômodos inacabados, foi tudo, tudo o que pude fazer até cair exausta. E foram os mesmos olhos que fechei, ao lhe entregar este extremo de mim. Também os abri resoluta e inteiramente encaixada ao monte de nada que restou. Mas aí, você abriu as janelas da tua nova morada e a tua riqueza humilde me sorriu. Escancarou-se à minha miséria. Teus olhos se ligaram aos meus, por isso te quis dentro. Tão dentro, mesmo que eu precisasse sair e sucumbir à sarjeta.

Basta-me olhar ao espelho; tua respiração ir e voltar, tua comida queimando, teus pés descalços... não as feche. As janelas.

Um comentário:

  1. Mana ARRASOU!!!!

    PARABÉNS! Não canso de te dizer, manda ver, faça um livro!

    Sou sua fã nº 1!!!!!!

    Amo vc e torço demaisss por vc!!!

    Beijaçooooo!!!

    Estela.

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