quarta-feira, 29 de julho de 2009

sobre (o) amor

É preciso silenciar a alma para escrever. Olhar nos olhos do pensamento materializado à frente. Sei que isso somente é possível porque fiz dele, a minha carne. Doei-me a uma visão, quis, por tudo, que se tornasse real, que lhe pudesse tocar e sentir.
A imobilidade me fez crer e ser. Crer no que desejei e ser o que pensei.
Tudo está tão quieto nesta noite, os cães dormem, pai mãe e irmãs vagando em sonhos e eu, veemente em pensar. Penso em você. O vejo em tempos vindouros, dividindo o silêncio de uma noite, a cumplicidade palpitante de uma cama, o preenchimento de um sorriso, a liberdade de uma gargalhada... comigo.
Você há em tudo o que existe e não há perspectiva fora da tua vigia: tudo lhe possui, se visto com meus olhos.
Já nos vi em tardes exaustar, envolvidas em beijos suados e clementes; já nos vi em meio a crianças, doces frutos da cerejeira que plantamos com sementes juradas em noites de amor eterno; lágrimas que escorreram e, você bebeu, quando beijou meu sorriso e assim o captou.
Acredito que amor seja mais um transbordamento, acima de qualquer outra coisa. Uma constância mútua. Não me refiro a doenças incuráveis, debilidade e sentimentos nefastos.
A cura para o amor é a troca dele. O doar, o prostrar-se, desde que a mão amada venha arrebatar a alma dilacerada pelo grito rogado e não percebido.
Sinto-me bem falando de amor contigo, mesmo que não saibas que estou a lhe escrever.
Não quero que penses mal. Não anseio prender-lhe ou sufocar nossa sementinha. Ela germinou e isso me basta para todos os dias dar-lhe água, poesias e preces. Compartilho com ela tua ausência. Talvez, se dela crescer uma árvore, que seja a maior e mais frondosa e que em seu tronco robusto, esteja grafado todo o amor permutado.
Não consigo dormir. Ando extasiada demais para concentrar-me em sono ou livro. Sinto-me largada ao horizonte interminável de um quarto sem sonhos. Sentei-me à cabeceira. Aproximei os joelhos do peito e ouvi a música. A música. Sempre dizendo que sou louca por chorar ou por te amar, chamando-lhe a mim desesperadamente. É uma dor boa se sentir, te faz arder.
Chamo a ti. Um pedido que insurge de meu cerne e busca diretamente o seu. Não quero despertar teus olhos sonolentos, nem espreguiçar tuas palavras... Apenas penetrar surdamente, no vão dos teus seios, ali, onde guardas o bem mais precioso e adormecer. Teu pensamento em mim, apesar de toda a sua vida e seu quotidiano. Um leve sorriso brotará em tua face, teu coração sorri! Aquece-me.
Visitar-te-ei em espírito para dormir com o teu sereno e único. Sentirás, quando eu adentrar teu quarto. Haverá uma presença pronunciada pelo calor febril que me perpetua até os germes. Somente isso e a canção. Sou louca por te amar e chamo-te na noite. Assim, aproximo-me. Assim me percebes. Teu corpo, agora, inerte e extático.
Já passou. Já passou, meu amor. O que é o corpo senão escravo de um mundo pequeno. O que é da imagem sem a visão. Um nada é sem o outro. Um submetido é, naturalmente, ao outro. Portanto, não me atenho a sentidos, não, quando não os posso conter em minhas circunstâncias. Em meus braços.
Sei que estás dormindo, dando a teu corpo o tempo para refazer-te – como queria ter na boca teu hálito matinal; como queria desbravar teus caminhos ferventes com minhas mãos; tua expressão cálida, mal iluminada pela lua. Tua cor castanho-clara, revivendo meu branco-amarelado – mas, regozijo-me em saber, também, que nos reconhecemos, no mundo. Recordei-te, talvez de outra vida ou eternidade - demos mais um laço.
Sorverei teu sono sublime e derramarei em teu corpo, o bálsamo e a devoção do meu ser pelo teu. O que meu ser é com o teu, quando abertos, quando perdidos, você dentro de mim e eu dentro de você. O transmutamento.

Silencio-me agora.

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