terça-feira, 28 de julho de 2009

o frio

A casa. O destino está grafado com tintas cor de tempo nas paredes que a tudo sabem, percebendo cheiro das lágrimas. Tanto sentiu, tanto escorreu a dor errante como a chuva batendo na pedra que, agora, precisa de uma nova mão de vida em sua pele crepitando em bolhas e reboque. Sãos os sinais da morte inerente a mim e à matéria, a sua gota borrando cada dia um pedaço do céu que anda indeciso, sem saber se deve ou não colorir e tornar meu pensamento visível. Meu pensamento é visível, mas não presente. Nada vejo além da lua. E peço à noite que não se demore enquanto madrugada, gerando o dia em seu ventre. Gosto ter nos braços o calor nu e pequenino da manhã recém-nascida. Entardece, não percebo; somente o sol baixo ao meu lado e o pensamento, o cigarro. Por mais que me costure e decalque o sem forma, não sinto seu calor a não ser pelo sol. Pelos cigarros. Suas cores estão vivas além daqui, ardendo onde meu desejo não tateia...

Numa das tardes de inverno, dessas que transcorrem das manhãs perdendo as cores, sentei-me defronte a um piano. Senti os pensamentos confusos, perfurando-me os poros obstruídos pelo pó que a inércia acumulou. Tal efusão remeteu-me uma valsa perolada daqueles dias em que o sol nasce e não há espaço no quarto para ele. Há uma presença ali que me coube no tenro diamante cinza da noite dormida em outro corpo e o sonho me buscou sereno, falando baixinho. Deu-me a mão, sentamo-nos nas colinas que cultivara em silêncio, nos observamos entre sopros e sorvedouros, entre cigarros e beijos. Guardo-o desde menina quando me via presa no espelho turvo do cotidiano; a cada dia mais como ele, quando cria que era mais como eu.

Abri os olhos. Havia não o amarelo claro, mas uma prata derramada em meu corpo. A cor e o ar frio que penetravam da janela era o sol ressentido, porque suas cores estavam do lado de fora da porta. A casa se deteve reluzente e satisfeita, sorrindo em resignação. A música perolada continuou a oscilar em nossa pele. Era uma valsa, talvez. Uma narrativa do pensamento que o desejo se empenhou e tornar real. Visível a corpo e olhos. Havia forma de alguma maneira, pois sentia suas cores, agora transpostas, vibrando sob minha pele. Abri os olhos. Era ele.

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